quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Acasalamento

Os sistemas de acasalamento dos mamíferos marinhos incluem monogamia,
poligamia e promiscuidade. Entre os pinípedes, todos os otarídeos e muitas espécies de
focídeos são poligínicas. Quase todos os pinípedes que se reproduzem em terra são
extremamente poligínicos e com grande dimorfismo sexual. Como os machos poligínicos
tem de competir pelo controle reprodutivo das fêmeas, esta competição gira em torno ou do
estabelecimento e defesa de territórios (poliginia por defesa de recursos) ou  o
estabelecimento de hierarquias de dominância (poliginia por defesa de fêmeas ou haréns).
Os pinípedes que cruzam na água ou no gelo (morsas e focas) usualmente evidenciam um
nível reduzido de poliginia, explicado em parte pela dificuldade de defender um recurso ou
acesso a fêmeas em um ambiente instável. Em tais ambientes (ao contrário de em terra) as
fêmeas tem a vantagem seletiva de escolher o macho com o qual ela vai cruzar. Sistemas
de “lek” ou similares a estes foram sugeridas para a morsa do Pacífico, o leão-marinho da
Califórnia e o leão-marinho de Hooker.
A evolução dos sistemas de acasalamento está ligada ao substrato no qual ocorrem
os nascimentos. As espécies que se reproduzem em terra utilizam ou ilhas nas quais não
existem predadores terrestres ou em locais de difícil acessibilidade destes. Isto limita as
áreas disponíveis para reprodução e permite o surgimento de poliginia por controle de
recursos por parte dos machos. Isto também pode ocorrer, mas em menor escala, nas
espécies que utilizam gelo consolidado, no qual os buracos para acesso à água são
controlados por machos. Nas espécies com poliginia os machos costumam ser maiores que
as fêmeas e ter uma longevidade menor.

Sistema Reprodutivo

As estruturas reprodutivas dos mamíferos marinhos são similares às dos mamíferos
terrestres. Os cetáceos tem a peculiaridade de que os corpora albicans permanecem por
toda a vida do animal, servindo como um registro de ovulações passadas. Isso faz com seja
possível examinar a história reprodutiva de baleias individuais, pois cada corpus albicans
representa uma ovulação (independente se houve ou não uma gravidez). O momento da
ovulação e estro (cio) varia entre as espécies. Focídeos e otarídeos possuem um cio pósparto que estabelece uma janela temporal de um ano entre a cópula em uma estação
reprodutiva e nascimento na seguinte. Para ajustar uma gestação de menos de um ano para
um ciclo de um ano ocorre um retardamento da implantação do zigoto, iniciada
provavelmente por gatilhos ambientais. Esta estratégia permite que o parto e cruzamento
ocorram em um relativamente curto período de tempo, e faz com que os filhotes nasçam em
uma época ideal para sua sobrevivência. Os cetáceos apresentam ciclos reprodutivos
multianuais, com nascimento e cópula separados por pelo menos um e algumas vezes dois
ou mais anos. A gestação na maior parte dos mamíferos marinhos é de aproximadamente
um ano. Comparativamente com outros mamíferos, os pinípedes (especialmente focídeos) e
misticetos produzem um leite com alto conteúdo energético, rico em gordura.

Como em todos os mamíferos placentários, o fornecimento de alimento à cria até
que sta esteja nutricionalmente independente é a parte mais cara em termos de energia do
processo reprodutivo. Com raras exceções, nos mamíferos marinhos esta é uma obrigação
exclusivamente materna. As estratégias maternais podem ser divididas em três tipos: jejum
(ex. focídeos e misticetos), ciclos de forrageamento (ex. otarídeos) e amamentação aquática
(ex. morsas, odontocetos, sirênios, lontras-marinhas e ursos-polares). Na primeira as mães
não se alimentam enquanto amamentam os filhotes, com a produção do leite se baseando
unicamente nas reservas da mãe. A segunda consiste em as mães abandonarem os filhotes
por um período de tempo variável enquanto procuram por comida. Já na última os filhotes
acompanham as mães onde quer que elas vão, sendo amamentados quando necessário,
quer sejam em terra, na água ou no gelo. A Tabela 3 mostra as características da
amamentaçào de diversas espécies.

Dieta e Estratégias Alimentares

A dieta e as estratégias alimentares dos mamíferos marinhos refletem diretamente os
padrões de produtividade primária do ambiente, mesmo que a maioria prede animais
relativamente grandes, distanciados vários níveis dos produtores primários. De um modo
geral os mamíferos marinhos ocupam o limite superior de tamanho dos organismos
marinhos, o que faz com que certos itens alimentares fiquem indisponíveis para eles devido
à disparidade de tamanho. Os misticetos e alguns pinípedes (foca-caranguejeira e focaleopardo) possuem adaptações para consumir presas pequenas (alguns cm de
comprimento), mas nenhum mamífero marinho se alimenta de fitoplâncton.
Os sirênios são os únicos unicamente que se alimentam de produtores primários
(gramíneas marinhas), e sua distribuição é restrita às águas rasas costeiras onde ocorrem
plantas de maior tamanho. Devido à grande quantidade de areia ingerida durante  a
alimentação e à relativa “dureza” do alimento, os dentes dos sirênios se desgastam e são
continuamente substituídos por novos dentes. No dugongo há uma substituição vertical  e
nos peixes-boi marinhos a substituição é horizontal, com os dentes velhos sendo
empurrados para frente. O trato digestivo de ambas as espécies é muito longo, com  o
estômago constituído de um saco simples, seguido de uma ampola duodenal e um par de
divertículos duodenais. O intestino delgado costuma ter metade do tamanho do grosso,  e
este último pode chegar a 30m no dugongo e 20m no peixe-boi. A principal área de
absorção parece ser o intestino grosso.

Produção de Sons e Ecolocalização

A maior densidade da água, comparada com o ar, faz com que os sons sejam
transmitidos por distâncias maiores neste meio. Os cetáceos e pinípedes produzem uma
grande variedade de sons, tanto dentro como fora d’água, que servem para comunicação,
ecolocalização e captura de presas (Tabela 2). A maioria dos sons aéreos produzidos pelos
pinípedes são gerados na laringe. As lontras produzem vocalizações de baixas intensidade
e freqüência, similares às dos pinípedes. Os sirênios produzem sons modulados de baixa
freqüência (“assobios”), possivelmente se originando na região frontal da cabeça, similar às
baleias. Estas últimas, apesar de possuírem uma laringe não apresentam cordas vocais, e
se supõe que a produção dos sons seja feita nos seios cranianos.
Os odontocetos possuem o mais complexo sistema de produção e recepção de sons
dos mamíferos marinhos. A geração do som se faz em uma série de sacos nasais
localizados logo abaixo do orifício respiratório, em um complexo estrutural denominado
bursa dorsal/museu de singe. A este sistema de geração está ligado uma estrutura de
direcionamento e propagação, denominada de melão. Este corresponde à “testa” globosa dos golfinhos, e é formado por lipídeos de baixa densidade, servindo como uma lente
acústica para formar um feixe acústico focalizado. Já a recepção é feita principalmente
através de uma janela acústica localizada nas mandíbulas, onde o osso é excepcionalmente
fino. Esta área é preenchida por um corpo gorduroso (líquido à temperatura do corpo) que
se liga diretamente aos ossos do ouvido médio, o complexo timpâno-periótico. Este corpo
gorduroso age como um canal de baixa densidade para transmissão de sons.
Uma das características mais interessantes dos odontocetos foi o desenvolvimento
da ecolocalização. O processo de ecolocalização se dá através da geração e emissão de
curtos pulsos sonoros e a recepçào de seus ecos, após terem refletido em algum objeto. Ao
analisar o tempo que o eco levou para retornar, o animal pode estimar distâncias, e através
das mudanças no pulso sonoro podem detectar o tamanho e forma do objeto.

Respiração e Fisiologia do Mergulho

Devido a sua necessidade de procurar e capturar seu alimento embaixo d’água, os
mamíferos marinhos enfrentam um problema raramente enfrentado por seus parentes
terrestres: a falta de ar. Durante o tempo em que ficam sem respirar, os mamíferos marinhos
enfrentam uma série de problemas. Primeiro as reservas de oxigênio começam a se exaurir.
Depois, devido a ausência de ventilação, o CO2 e lactato aumentam no sangue e músculos,
causando uma acidificação do soro sangüíneo e do meio intracelular. Se há a manutenção
de movimentos musculares, estes são mantidos por metabolismo anaeróbico aumentando
os níveis de lactato ainda mais. E a medida em que se deslocam para maiores
profundidades, a pressão da água passa a comprimir os tecidos com espaços cheios de ar,
podendo colapsa-los. Absorver gases sob pressão pode ser danoso para os animais, já que
o oxigênio pode ser tóxico em altas concentrações, o nitrogênio pode ter efeito narcótico e
ambos podem formar bolhas nos tecidos durante um retorno à superfície.

Sistema Músculoesquelético e Locomoção ¹

Os sistema muscular e esquelético são os responsáveis pelos movimentos dos
mamíferos. A propulsão nos mamíferos marinhos é feita através de movimentos das
nadadeiras pares (pinípedes e lontras-marinhas) ou movimentos verticais da nadadeira
caudal (cetáceos e sirênios).
Apesar de se basear nas nadadeiras, a movimentação dos pinípedes é feita
diferentemente entre os otarídeos e focídeos. Os otarídeos se valem das nadadeiras
dianteiras enquanto que focídeos e odobenídeos utilizam as traseiras. Devido  à
impossibilidade de rodar as nadadeiras traseiras para frente, os focídeos se locomovem em
terra por ondulações do corpo (ondulação sagital), enquanto que os otarídeos  e
odobenídeos utilizam uma locomoção ambulatorial.
Os cetáceos arcaicos possuíam uma pélvis bem desenvolvida e membros traseiros,
podendo provavelmente andar em terra. Cetáceos mais divergentes apresentavam os
membros traseiros reduzidos e vértebras sacrais com grandes processos, o que indicava
que a ondulação caudal estava desenvolvida.
O crânio dos cetáceos difere do crânio típico dos mamíferos, devido ao processo de
telescopia, o resultado da migração das narinas externas para uma posição dorsal do
crânio. Já o crânio dos sirênios se distingue por uma pré-maxila virada para baixo, resultado
de uma adaptação para a alimentação bentônica. Os sirênios também são caracterizados
por apresentarem paquiostose, que auxilia no controle da flutuabilidade.

Controle Osmótico

Por serem hiposmóticos com o meio, os mamíferos marinhos estão em constante
risco de perder água para o ambiente. Para lidar com esse problema eles desenvolveram
diversas estratégias para aumentar a retenção de água no organismo. A presença de
rinículos nos rins, como visto acima, é uma delas. O epitélio nasal possui sistemas de
contracorrente, que além de servirem para reter o calor, também absorvem o vapor d’água
do ar exalado. O hábito de beber água salgada (mariposia) é maior em pinípedes de climas
quentes, e pode ser um modo de eliminar nitrogênio. Para cetáceos já se observou que
apesar de beberem pequenas quantidades de água do mar, ela não é essencial para sua
sobrevivência
O fato de ingerirem água do mar foi útil para detectar o momento de transição de
água doce para o mar nos ancestrais dos cetáceos. O equilíbrio isotópico no fosfato dos
dentes indica que os pakicetídeos (baleias ancestrais) dependiam de fontes terrestres de
água e alimento. Somente no Eoceno médio surgem os cetáceos completamente marinho.